terça-feira, 19 de março de 2013

Pedaleiras... Inferno ou paraíso?


A busca pelo timbre perfeito é o Santo Graal dos guitarristas. É a busca pelo "meu som", algo que identifique e individualize quem toca.
Mas ao invés dos originais Cavaleiros da Távola Redonda que vinham com seus cavalos e espadas, os guitarristas chegam com seus amps e pedais,muitos pedais. No palco, a frente deles, às vezes se vê algo parecido com um painel de avião de tantos botões e luzes disponíveis.
Olhem só alguns exemplos:




E isso não é raro de se ver. Pelo contrário, é bem comum.
Os entusiastas, inclusive, se orgulham em mostrar seu "pedal rig"... É algo profundo, tão básico e primitivo quanto o "o meu é maior que o seu". Às vezes, confundem quantidade com qualidade e, na eterna busca pela identidade, se perdem no meio de tudo.

Eu tenho sérias mas muito particulares críticas em relação a essa quantidade absurda de opções, configurações e ajustes. Basta um pelinho pra cá ou pra lá em um dos trocentos botões e o "meu som" já não é mais "meu som".
Mas antes de me atirarem pedras e depois aos leões, não critico quem usa! Pelo contrário, pedaleiras nos permitem inserir efeitos que afetam completamente o som, ajudam a definir estilo e o 'clima' da música, dá o 'tempero'. Mas uma coisa é o tempero, a outra é a comida, certo? Não adianta tuchar tempero no frango esperando que fique com gosto de picanha...
Minha crítica se baseia na física pura: É impossível garantir que uma determinada configuração irá reproduzir o som exatamente do mesmo jeito em qualquer situação. Basta tirar o conjunto todo da garagem e leva-lo para o palco que já é tudo diferente. Tire de um canto da garagem e coloque no outro e já era! O timbre é profundamente dependente da geometria do local onde se está tocando.
Eu defendo que o som, o que se busca que o caracterize, não está no instrumento, nem no amplificador, nem nos pedais, nem nas configurações. Está no dedo, na alma de quem toca. O "seu som", caro amigo instrumentista, não está no que a partitura mostra, mas no que você toca que NÃO está escrito. É o seu jeito, a sua pegada.
Descubra como colocar a alma no que você faz, pare de parametrizar o que você toca, deixe rolar e seja feliz! Aí sim você irá encontrar o Graal, o seu som.
Fácil? Claro que não! E se fosse, não teria valor.
Se eu já consegui? Nãooo...estou a ANOS LUZ (dezenas de milhares) disso. Toco pouco e mal (sem falsa modéstia), mas ouço muuuito. Já sei qual é o meu caminho, mas falta tempo e destreza manual para segui-lo.

Eu falo isso sempre: Se o Eric Clapton tocar a campainha da casa eu acho que dá pra saber que é ele.
Dê um varal esticado na mão de um David Gilmour e você vai saber que é ele que tá tocando. Aliás, o Gilmour arranha um sax. E você ouve ele tocando sax e sabe que é ele... E aí? Cadê a pedaleira, o Marshall, a Strato?? Como é que ele consegue passar essa identidade até em outro instrumento? Porque não está na strato, na pedaleira...
Ah.... mas o Gilmour usa um rack de efeitos maior que a geladeira lá de casa e uma pedaleira que nem vendendo um rim eu consigo igual. Sim, claro! Não da pra fazer um som floydiano sem efeitos, e isso vale para quase qualquer estilo. Mas a identidade do som não está no equipamento - senão bastava ter dinheiro para ser um bom guitarrista.
Já li que num solo do Jimmy Page em Stairway to Heaven (aquela parte que parece que tem umas seis guitarras juntas) ele se trancou no banheiro só com a guitarra e um cubinho. Girou tudo até o talo e baixaram o microfone pela janela pra gravar.
E aí? Pega seu pedal rig cheio de nove horas e TENTA fazer igual. Não vai! E duvido que ele, no palco, sequer tente fazer igual também. E nem precisa. Som do Jimmy Page é som do Jimmy Page, no palco ou no banheiro...
Ah, mas esse pessoal todo usa uma pá de pedais, seja no palco ou no estúdio. É claro que usam! De novo, é o tempero, é pra dar o clima. Não da para imaginar um rockão sem um drive.
Mas também não da para imaginar um blues sem um bend... Ouça um B B King bater um 'sol' e puxar o bend e na hora vc sabe que é B B King. É o que diferencia os gênios dos mortais: o desgraçado consegue colocar o estilo dele tocando UMA nota.

E você aí, que tem sua estação pedalística de dar inveja à NASA, já torcendo o nariz para minhas infâmias e sacrilégios, não me crucifique ainda. Afinal, rock'n'roll é contestação e eu só estou contestando, questionando. Cada um escolhe seu caminho. Mas de novo: pedais são ótimos e essenciais. Só não se perca achando que o seu estilo está na escolha, alinhamento e configuração deles.

Então, chegamos no ponto: Você escolheu o caminho da complexidade - e não há nada de mal nisso - , deve estar com meia dúzia pra mais de pedais, todos interligados - numa ordem definida a duras penas e na maior parte das vezes por tentativa e erro. Aí, você liga tudo e vem um BAITA ruído. Ou, tudo funciona mas só por algum tempo. Um belo dia, vc liga exatamente do mesmo jeito  que estava funcionando e nada...

Então, volte a me escutar: Eu tenho algumas coisas a dizer sobre esses problemas e como contorna-los.

1 - A primeira fonte de problemas é conexão. Contatos elétricos sofrem de corrosão galvânica. Uma fina camada de óxido recobre o metal e diminui a capacidade de transmitir a corrente elétrica. Isso ocorre em todo e qualquer contato elétrico, mas sistemas de alta impedância, submetidos a baixa corrente e tensão são mais sensíveis.
O correto é de vez em quando remover a oxidação dos plugues. Uma vez a cada 6 meses gire-os de um lado a outro, remova-os e recoloque-os várias vezes. Se morar em cidade de praia, uma vez por mês.
FAQ: Contatos de ouro são melhores? Não necessariamente. Em termos de resistência elétrica, o ouro nem é o melhor condutor (pela ordem: prata, cobre e em terceiro lugar o ouro). Ele é usado em contatos pois não sofre oxidação. Mas isso só é válido se AMBOS os lados forem dourados. Aliás, a corrosão é mais rápida onde há contado entre metais diferentes. Um plugue P10 de ouro espetado num conector de níquel só vai fazer com que o níquel oxide mais rapidamente. Ouro dos dois lados, como nos conectores de computador ou cabos de vídeo, aí sim é bom.

2 - Fontes de ruído. Ruído é todo e qualquer sinal indesejado e incontrolável. Pela própria natureza dos ruídos, na maioria das vezes possuem componentes em várias frequências o que torna a filtragem complicada e ineficiente, além de acabar eliminando ou amortecendo sinais que são desejáveis (e que caracterizam alguns efeitos!). Os principais ruídos são:

Sessentão (HUM): Um sinal grave, que faz "uuuuummmmmmm" em torno de 60Hz. Ele vem da rede elétrica. Se sumir ao baixar o volume da guitarra, muito provavelmente você está usando captadores single coil e está perto do transformador do amp ou algum outro. VAZE pra outro lugar. Se não some ao baixar o volume, então provavelmente é causado por:
  • Loops de terra. Isso será o assunto do próximo post, fique atento;
  • Fonte de baixa qualidade. Quer ser o novo Jimmy Hendrix?? Tira o escorpião do bolso e compre uma fonte decente!
  • Fonte sobrecarregada. Ela tá fervendo quando você bota a mão nela? Desligue alguns pedais e veja se o ruído some. Troque por uma mais robusta.
Sessentão chiado(BUZZ): Como o sessentão, mas com um componente de alta freqüência, raspando. Se sumir ao baixar o volume da guitarra, muito provavelmente você está usando captadores single coil e está perto de algum dimmer de lâmpada incandescente, reator de fluorescente, neon ou TV de tubo. VAZE pra outro lugar. Blindar a cavidade do instrumento também ajuda. Se não some ao baixar o volume, então:
  • Amp barato. É, amigo... hora de gastar um pouco;
  • Tomada com ruído. Coloque um filtro de linha BOM.
Chiado (HISS): É o chiado tipo 'ruído branco' típico de aparelhos eletrônicos.  Na verdade, o espectro não é braaanco branco, mas sim 'rosa'. Explico fisicamente: No ruído branco real, todas as frequências aparecem com a mesma intensidade (média). Já o ruído causado pelo movimento browniano tem uma densidade espectral que decai com o quadrado da frequência e é chamado ruído vermelho. Os ruídos causados por junções de semicondutor possuem espectro que decai linearmente com a frequência.  Assim, por ficar entre o branco e o vermelho, recebe o nome de ruído rosa.
Fechando o parêntesis, esse ruído é sistêmico e, normalmente, causado por amplificadores ou pedais ruins ou excesso de ganho. Como nem sempre é possível diminuir o ganho, aprenda a viver com ele ou compre aparelhos de maior qualidade...

Ruído de fonte: Nem sempre se usam fontes com transformador, que causam ruído sessentão. Fontes chaveadas geram ruído em uma ampla gama de frequências pois o chaveamento (onda quadrada) gera harmônicas espalhadas por todo o espectro. Aqui também vale a regra do mais caro com qualidade. Fontes que usam indutores toroidais manejam melhor os ruídos. Via de regra, é melhor deixar a fonte longe dos pedais e instrumento.

Captadores humbucker também são mais quietos e menos sensíveis a captação de ruídos que os single coil, para deixarem os strateiros (eu, inclusive) com o bico arrastando no chão... Mas eles dão um som diferente, menos estridente. Vai do gosto.

Um bom link para quem tem habilidade com ferro de solda e inglês que traz como melhorar a blindagem da Strato: http://www.guitarnuts.com/wiring/shielding/shield3.php