É atribuído a Einstein a afirmação
de que o tempo é algo que se sabe o que é, desde que ninguém nos
pergunte. A atribuição é discutível, a afirmação não.
Durante muito tempo se imaginou o
Universo como um grande palco onde todas as coisas acontecem, com um
grande relógio em cima, sincronizando tudo com seu ritmo constante.
Mesmo antes da Teoria da Relatividade,
que revolucionou nosso conceito de espaço e tempo, a questão sobre
a natureza do tempo já se impunha. Afinal, porque é que o tempo
flui? Mais ainda, porque flui do passado para o futuro e não ao
contrário? Qual é a origem física da distinção entre passado e
futuro?
Antes de entrar na parte mais moderna,
vamos ver um pouco como se pensava até então.
A única área da física que podia
lançar alguma luz sobre o assunto era a termodinâmica. É a área
da física que lida com calor, energia e suas transformações. Dela,
o conceito de Entropia é a chave para o entendimento da direção do
tempo.
Alguns processos termodinâmicos são
reversíveis, enquanto outros não. Comprimir um gás para aquecê-lo
pode ser revertido: ao expandir, o gás esfria (esqueçamos os
detalhes que dão o rigor que nós físicos exigimos. As afirmações
são simplificadas aqui para facilitar o entendimento). Já queimar
um fósforo e extrair calor disso não é reversível: não se pode
fornecer calor ao palito queimado na esperança que ele volte a ser
um fósforo.
A entropia é uma medida desse grau de
irreversibilidade de um sistema, é uma medida da “desordem”
termodinâmica.
Nos processos reversíveis, a entropia
não se altera, nos irreversíveis a entropia aumenta pois os
sistemas naturalmente tendem a ir de estados mais ordenados para
menos ordenados, numa afirmação probabilística.
Melhorando um pouco, essa distinção
entre passado e futuro só faz sentido para sistemas macroscópicos
fora de equilíbrio termodinâmico (por definição, equilíbrio é
estacionário no tempo).
É fácil ver isso. Imaginemos uma
caixa contendo duas partículas. Nessa caixa, cada partícula pode
estar em um lado ou em outro com a mesma probabilidade. Nesse
sistema, quatro estados são possíveis, A, B, C ou D:
Agora, se tirarmos fotos a cada vez que
o estado mudar e apresentá-las, será impossível colocá-las em
ordem temporal pois qualquer estado pode evoluir para qualquer outro
com a mesma chance. Nesse sistema, o tempo é irrelevante, o tempo
não passa – e a entropia não se altera.
A coisa muda para um sistema
macroscópico com muitos elementos: Imaginemos agora uma caixa com um
anteparo no centro, separando o interior em duas partes. De um lado,
colocamos um gás e deixamos a outra metade no vácuo. No instante
zero, removemos o anteparo e seguimos com as fotos.
É óbvio qual será a evolução do
sistema, com o gás movendo-se até atingir um novo equilíbrio, com
o gás difundido por todo o recipiente.
Esse novo estado é mais
desordenado que o anterior, pois agora cada partícula pode estar em
qualquer lugar desse novo volume que é maior que o primeiro.
Esse processo é irreversível. Não
esperamos que ocorra espontaneamente na sequência inversa.
O interessante é que
microscopicamente, o que ocorre é um número enorme de colisões
mecânicas elásticas e reversíveis entre as moléculas do gás. A
princípio, bastaria inverter as velocidades de todas as partículas
que elas naturalmente voltariam para a condição inicial.
Ou seja, teríamos que partir de uma
situação inicial onde todas as partículas tivessem velocidades
exatamente iguais às que queremos e aí sim o sistema evoluiria na
direção inversa. Embora teoricamente possível, é tão
extremamente improvável que não seria exagero afirmar que é
impossível. Jamais na história alguém morreu de asfixia por estar
numa sala fechada e todo ar nela naturalmente ter se juntado num
canto.
Assim podemos afirmar que o tempo passa
do estado de menor entropia para o de maior entropia (e menor
energia). Ou seja, definimos uma “flecha do tempo termodinâmica”
onde o futuro é a direção em que a entropia tende a aumentar.
O legal aqui é que o estado inicial do
nosso gás acima deve ter surgido a partir de um estado mais
desordenado no passado. Ou seja, a entropia aumenta tanto para o
passado quanto para o futuro, nesse caso. Esse é o chamado “Paradoxo
da Reversibilidade” de Loschmidt.
Na verdade, entretanto, o sistema foi
preparado artificialmente, não evoluiu espontaneamente. E, se foi
preparado por alguém ou algo fora do sistema, então o sistema não
está isolado e o princípio não se aplica a ele.
Se pusemos o
anteparo no canto e o movemos para o centro, empurrando o gás para o
lado, por exemplo, isso exigiu energia nossa, não do sistema, para
acontecer. Nós demos energia para reduzir a entropia do sistema.
Nosso Universo é um sistema fechado e
longe do equilíbrio termodinâmico. Assim, basta descobrirmos para
que lado a entropia aumenta no Universo e teremos uma flecha do tempo
cosmológica.
A teoria do Big Bang propõe um estado
inicial do Universo como uma singularidade de energia, em equilíbrio
termodinâmico. Nesse ponto, não há “tempo”, não existe
passado nem futuro. É por isso que não faz sentido querer saber o
que havia antes do Big Bang. Não havia nada, nem tempo e, sem este,
nem o conceito de “antes”.
Mas algo aconteceu e essa singularidade
explodiu. O Universo ainda está em expansão desde então. Nessa
mudança de estado, do domínio da radiação para o domínio da
matéria, perdeu-se o equilíbrio. A taxa de expansão é mais rápida
que a dos processos necessários para atingir o equilíbrio
termodinâmico e, assim, o tempo flui do Big Bang, no passado, em
direção ao futuro, alinhado com a flecha do tempo termodinâmica.
Isso termina a discussão? Jamais…
Agora é que a coisa pega.
Tudo isso até faz sentido, mas nos
esquecemos do papel do observador nessa história. Não estamos
isolados desse sistema, fazemos parte dele. Será que realmente
existe o tempo ou será apenas um conceito que nossa mente inventa
para dar sentido ao que vemos e sentimos? Voltamos a isso mais
adiante (é, vamos para o futuro para depois voltar…).
O que é que garante que os processos
ocorram naturalmente nesse sentido do tempo (seja lá o que isso
signifique)? Se o tempo começar a andar para trás, como
perceberíamos isso, estando dentro do sistema?
Me lembro se um episódio de Jornada
nas Estrelas (das primeiras temporadas) onde eles fazem um jiquiti
qualquer para voltar no tempo. Quando dá certo - graças aos
cálculos mentais do Sr Spock, claro - todos ficam admirados ao ver o
relógio da nave andando para trás. Mas o maldito relógio é só
uma máquina!!!! assim como o restante da nave e seus ocupantes.
TODOS teriam que voltar juntos e, portanto, não perceberiam nada de
estranho.
Quebrar uma xícara é um processo irreversível |
Mas e se o tempo fosse invertido?
Ocorreria exatamente isso, o filme passando ao contrário. E nós,
como ficamos nisso? Bem… no mundo normal, nos lembramos do passado
mas não conhecemos o futuro. Ao ver os cacos no chão, conseguimos
nos lembrar da xícara inteira sobre a mesa. Mas, no passado, ao ver
a xícara inteira sobre a mesa, não conhecemos seu triste fim logo
mais no futuro.
Já com o tempo invertido - estamos
dentro do sistema, não nos esqueçamos disso - passamos a nos
lembrar do futuro mas desconhecemos o passado. Assim, ao vermos a
xícara em cacos no chão, nos lembramos dela no futuro, onde estará
sobre a mesa inteirinha. Do mesmo modo, quando ela estiver inteira
sobre a mesa, não nos lembraremos de seus cacos no passado.
Ou seja, em qualquer um dos casos, não
podermos afirmar para que lado o tempo flui REALMENTE.
Toda essa
conversa acima de flecha do tempo não passa de uma percepção da
nossa mente.
Seguindo esse raciocínio e retornando
ao tema do que é real e o que não é, se apresenta outro conceito:
o tempo imaginário. O tempo imaginário é um conceito da mecânica
quântica e é essencial para a conexão dela com a mecânica
estatística.
(Número imaginário é aquele chamado
“i” que é igual a raiz quadrada de -1).
Se imaginarmos um tempo “real” como
uma linha horizontal indo do passado ao futuro, o tempo imaginário
corre perpendicularmente a esta, ou seja, na direção vertical, num
plano complexo. Imaginário, nesse contexto, não quer dizer irreal
ou inventado, mas sim essa direção perpendicular ao tempo que
chamamos de real. É uma maneira de ver o tempo como vemos o espaço,
com mais de uma dimensão.
Alguns podem pensar que números
imaginários são apenas elucubrações matemáticas que nada tem a
ver com o mundo real. Mas do ponto de vista filosófico,
entretanto, não podemos determinar o que é real. O que podemos é
encontrar qual modelo matemático melhor descreve o Universo. E, por
esse caminho, o modelo envolvendo tempo complexo ( números complexos são os que possuem uma
parte real e uma imaginária) prevê não só o que observamos mas
também outros efeitos que ainda não vimos mas que acreditamos que existam por
outros motivos.
Então, o que é real e o que é
imaginário? Será que a distinção existe somente em nossas
mentes?
O conceito é usado em cosmologia
porque ajuda a resolver as singularidades gravitacionais nos modelos
de Universo onde as leis conhecidas da física não se aplicam.
No próprio modelo do Big Bang aparece
uma singularidade no tempo “real”, mas quando visualizado com
tempo imaginário, essa singularidade é removida e o Big Bang
funciona como qualquer outro ponto no tempo/espaço.
Voltando à mecânica quântica, o
conceito de tempo em escalas microscópicas é outro. Podemos
entender antipartículas (as partículas complementares como
anti-próton, antielétron,etc) como partículas ‘normais’ se
movendo para trás no tempo. Exemplo: Existe a chamada flutuação
quântica do vácuo, onde ‘do nada’ surgem pares partícula +
anti-partícula que se afastam, depois se juntam pela força elétrica
e se aniquilam novamente, conforme ilustrado abaixo.
Mas isso também pode ser visto como
uma única partícula presa num laço de tempo, onde o que chamamos
de presente é um fino corte transversal no tempo, avançando para o
futuro. Em cada momento, só conseguimos ‘ver’ o que está
contido nesse corte.
De novo, é apenas uma questão de
referência. Como já mencionei, diferentemente do universo
macroscópico que só possui uma única flecha de tempo, o mundo
quântico é melhor descrito com duas flechas perpendiculares, numa
conexão chamada “simetria CPT”.
Para objetos macroscópicos, as
conexões estão fora do nosso mundo, num universo paralelo (um
anti-universo, talvez) inacessível por quaisquer meios. Na mecânica
quântica, por outro lado, partículas e antipartículas coexistem em
ambos universos, embora sejam aniquiladas quando unidas. A condição
matemática para uma partícula se mover para trás no tempo é
apenas se mover na outra referência temporal.
Mas qual é a implicação filosófica disso? Entre outras coisas, essa afirmação sugere que pode existir um anti-universo conectado ao nosso e que estamos vivendo no inverso temporal deles e vice versa. Nosso futuro é o passado deles.
Mas qual é a implicação filosófica disso? Entre outras coisas, essa afirmação sugere que pode existir um anti-universo conectado ao nosso e que estamos vivendo no inverso temporal deles e vice versa. Nosso futuro é o passado deles.
No final das contas, ultrapasse a
simplicidade da afirmação abaixo e conclua o seguinte:
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