segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Tempo, esse familiar desconhecido


É atribuído a Einstein a afirmação de que o tempo é algo que se sabe o que é, desde que ninguém nos pergunte. A atribuição é discutível, a afirmação não.

Durante muito tempo se imaginou o Universo como um grande palco onde todas as coisas acontecem, com um grande relógio em cima, sincronizando tudo com seu ritmo constante.
Mesmo antes da Teoria da Relatividade, que revolucionou nosso conceito de espaço e tempo, a questão sobre a natureza do tempo já se impunha. Afinal, porque é que o tempo flui? Mais ainda, porque flui do passado para o futuro e não ao contrário? Qual é a origem física da distinção entre passado e futuro?

Antes de entrar na parte mais moderna, vamos ver um pouco como se pensava até então.
A única área da física que podia lançar alguma luz sobre o assunto era a termodinâmica. É a área da física que lida com calor, energia e suas transformações. Dela, o conceito de Entropia é a chave para o entendimento da direção do tempo.
Alguns processos termodinâmicos são reversíveis, enquanto outros não. Comprimir um gás para aquecê-lo pode ser revertido: ao expandir, o gás esfria (esqueçamos os detalhes que dão o rigor que nós físicos exigimos. As afirmações são simplificadas aqui para facilitar o entendimento). Já queimar um fósforo e extrair calor disso não é reversível: não se pode fornecer calor ao palito queimado na esperança que ele volte a ser um fósforo.
A entropia é uma medida desse grau de irreversibilidade de um sistema, é uma medida da “desordem” termodinâmica.
Nos processos reversíveis, a entropia não se altera, nos irreversíveis a entropia aumenta pois os sistemas naturalmente tendem a ir de estados mais ordenados para menos ordenados, numa afirmação probabilística.
Melhorando um pouco, essa distinção entre passado e futuro só faz sentido para sistemas macroscópicos fora de equilíbrio termodinâmico (por definição, equilíbrio é estacionário no tempo).

É fácil ver isso. Imaginemos uma caixa contendo duas partículas. Nessa caixa, cada partícula pode estar em um lado ou em outro com a mesma probabilidade. Nesse sistema, quatro estados são possíveis, A, B, C ou D:



Agora, se tirarmos fotos a cada vez que o estado mudar e apresentá-las, será impossível colocá-las em ordem temporal pois qualquer estado pode evoluir para qualquer outro com a mesma chance. Nesse sistema, o tempo é irrelevante, o tempo não passa – e a entropia não se altera.
A coisa muda para um sistema macroscópico com muitos elementos: Imaginemos agora uma caixa com um anteparo no centro, separando o interior em duas partes. De um lado, colocamos um gás e deixamos a outra metade no vácuo. No instante zero, removemos o anteparo e seguimos com as fotos.
É óbvio qual será a evolução do sistema, com o gás movendo-se até atingir um novo equilíbrio, com o gás difundido por todo o recipiente. Esse novo estado é mais desordenado que o anterior, pois agora cada partícula pode estar em qualquer lugar desse novo volume que é maior que o primeiro.



Esse processo é irreversível. Não esperamos que ocorra espontaneamente na sequência inversa.
O interessante é que microscopicamente, o que ocorre é um número enorme de colisões mecânicas elásticas e reversíveis entre as moléculas do gás. A princípio, bastaria inverter as velocidades de todas as partículas que elas naturalmente voltariam para a condição inicial.
Ou seja, teríamos que partir de uma situação inicial onde todas as partículas tivessem velocidades exatamente iguais às que queremos e aí sim o sistema evoluiria na direção inversa. Embora teoricamente possível, é tão extremamente improvável que não seria exagero afirmar que é impossível. Jamais na história alguém morreu de asfixia por estar numa sala fechada e todo ar nela naturalmente ter se juntado num canto.
Assim podemos afirmar que o tempo passa do estado de menor entropia para o de maior entropia (e menor energia). Ou seja, definimos uma “flecha do tempo termodinâmica” onde o futuro é a direção em que a entropia tende a aumentar.

O legal aqui é que o estado inicial do nosso gás acima deve ter surgido a partir de um estado mais desordenado no passado. Ou seja, a entropia aumenta tanto para o passado quanto para o futuro, nesse caso. Esse é o chamado “Paradoxo da Reversibilidade” de Loschmidt.
Na verdade, entretanto, o sistema foi preparado artificialmente, não evoluiu espontaneamente. E, se foi preparado por alguém ou algo fora do sistema, então o sistema não está isolado e o princípio não se aplica a ele. Se pusemos o anteparo no canto e o movemos para o centro, empurrando o gás para o lado, por exemplo, isso exigiu energia nossa, não do sistema, para acontecer. Nós demos energia para reduzir a entropia do sistema.

Nosso Universo é um sistema fechado e longe do equilíbrio termodinâmico. Assim, basta descobrirmos para que lado a entropia aumenta no Universo e teremos uma flecha do tempo cosmológica.
A teoria do Big Bang propõe um estado inicial do Universo como uma singularidade de energia, em equilíbrio termodinâmico. Nesse ponto, não há “tempo”, não existe passado nem futuro. É por isso que não faz sentido querer saber o que havia antes do Big Bang. Não havia nada, nem tempo e, sem este, nem o conceito de “antes”.
Mas algo aconteceu e essa singularidade explodiu. O Universo ainda está em expansão desde então. Nessa mudança de estado, do domínio da radiação para o domínio da matéria, perdeu-se o equilíbrio. A taxa de expansão é mais rápida que a dos processos necessários para atingir o equilíbrio termodinâmico e, assim, o tempo flui do Big Bang, no passado, em direção ao futuro, alinhado com a flecha do tempo termodinâmica.

Isso termina a discussão? Jamais… Agora é que a coisa pega.

Tudo isso até faz sentido, mas nos esquecemos do papel do observador nessa história. Não estamos isolados desse sistema, fazemos parte dele. Será que realmente existe o tempo ou será apenas um conceito que nossa mente inventa para dar sentido ao que vemos e sentimos? Voltamos a isso mais adiante (é, vamos para o futuro para depois voltar…).
O que é que garante que os processos ocorram naturalmente nesse sentido do tempo (seja lá o que isso signifique)? Se o tempo começar a andar para trás, como perceberíamos isso, estando dentro do sistema?
Me lembro se um episódio de Jornada nas Estrelas (das primeiras temporadas) onde eles fazem um jiquiti qualquer para voltar no tempo. Quando dá certo - graças aos cálculos mentais do Sr Spock, claro - todos ficam admirados ao ver o relógio da nave andando para trás. Mas o maldito relógio é só uma máquina!!!! assim como o restante da nave e seus ocupantes. TODOS teriam que voltar juntos e, portanto, não perceberiam nada de estranho.

Quebrar uma xícara é um processo irreversível
Explico: Imaginemos uma mesa e, sobre ela, uma xícara. Num certo instante, essa xícara cai no chão e se quebra. Sabemos que esse é um processo irreversível e não esperaríamos que cacos de xícaras pulassem de volta para cima da mesa, juntando-se numa xícara inteira novamente.
Mas e se o tempo fosse invertido? Ocorreria exatamente isso, o filme passando ao contrário. E nós, como ficamos nisso? Bem… no mundo normal, nos lembramos do passado mas não conhecemos o futuro. Ao ver os cacos no chão, conseguimos nos lembrar da xícara inteira sobre a mesa. Mas, no passado, ao ver a xícara inteira sobre a mesa, não conhecemos seu triste fim logo mais no futuro.
Já com o tempo invertido - estamos dentro do sistema, não nos esqueçamos disso - passamos a nos lembrar do futuro mas desconhecemos o passado. Assim, ao vermos a xícara em cacos no chão, nos lembramos dela no futuro, onde estará sobre a mesa inteirinha. Do mesmo modo, quando ela estiver inteira sobre a mesa, não nos lembraremos de seus cacos no passado.
Ou seja, em qualquer um dos casos, não podermos afirmar para que lado o tempo flui REALMENTE. 

Toda essa conversa acima de flecha do tempo não passa de uma percepção da nossa mente.
Seguindo esse raciocínio e retornando ao tema do que é real e o que não é, se apresenta outro conceito: o tempo imaginário. O tempo imaginário é um conceito da mecânica quântica e é essencial para a conexão dela com a mecânica estatística.
(Número imaginário é aquele chamado “i” que é igual a raiz quadrada de -1).

Se imaginarmos um tempo “real” como uma linha horizontal indo do passado ao futuro, o tempo imaginário corre perpendicularmente a esta, ou seja, na direção vertical, num plano complexo. Imaginário, nesse contexto, não quer dizer irreal ou inventado, mas sim essa direção perpendicular ao tempo que chamamos de real. É uma maneira de ver o tempo como vemos o espaço, com mais de uma dimensão.



Alguns podem pensar que números imaginários são apenas elucubrações matemáticas que nada tem a ver com o mundo real. Mas do ponto de vista filosófico, entretanto, não podemos determinar o que é real. O que podemos é encontrar qual modelo matemático melhor descreve o Universo. E, por esse caminho, o modelo envolvendo tempo complexo ( números complexos são os que possuem uma parte real e uma imaginária) prevê não só o que observamos mas também outros efeitos que ainda não vimos mas que acreditamos que existam por outros motivos.

Então, o que é real e o que é imaginário? Será que a distinção existe somente em nossas mentes?
O conceito é usado em cosmologia porque ajuda a resolver as singularidades gravitacionais nos modelos de Universo onde as leis conhecidas da física não se aplicam.
No próprio modelo do Big Bang aparece uma singularidade no tempo “real”, mas quando visualizado com tempo imaginário, essa singularidade é removida e o Big Bang funciona como qualquer outro ponto no tempo/espaço.

Voltando à mecânica quântica, o conceito de tempo em escalas microscópicas é outro. Podemos entender antipartículas (as partículas complementares como anti-próton, antielétron,etc) como partículas ‘normais’ se movendo para trás no tempo. Exemplo: Existe a chamada flutuação quântica do vácuo, onde ‘do nada’ surgem pares partícula + anti-partícula que se afastam, depois se juntam pela força elétrica e se aniquilam novamente, conforme ilustrado abaixo.
Mas isso também pode ser visto como uma única partícula presa num laço de tempo, onde o que chamamos de presente é um fino corte transversal no tempo, avançando para o futuro. Em cada momento, só conseguimos ‘ver’ o que está contido nesse corte.




De novo, é apenas uma questão de referência. Como já mencionei, diferentemente do universo macroscópico que só possui uma única flecha de tempo, o mundo quântico é melhor descrito com duas flechas perpendiculares, numa conexão chamada “simetria CPT”.
Para objetos macroscópicos, as conexões estão fora do nosso mundo, num universo paralelo (um anti-universo, talvez) inacessível por quaisquer meios. Na mecânica quântica, por outro lado, partículas e antipartículas coexistem em ambos universos, embora sejam aniquiladas quando unidas. A condição matemática para uma partícula se mover para trás no tempo é apenas se mover na outra referência temporal.
Mas qual é a implicação filosófica disso? Entre outras coisas, essa afirmação sugere que pode existir um anti-universo conectado ao nosso e que estamos vivendo no inverso temporal deles e vice versa. Nosso futuro é o passado deles.

No final das contas, ultrapasse a simplicidade da afirmação abaixo e conclua o seguinte:


O tempo é só aquilo que o relógio marca.



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